segunda-feira, 3 de março de 2014

A mente da tia Millie

 

A morte cerebral significa que experiências subjetivas são neuroquímicas

Michael Shermer
Ilustração por Brian Cairns
“Onde está o vermelho em seu cérebro?”.A pergunta foi feita por Deepak Chopra em seu simpósio Sages and Scientists, em Carlsbad, na Califórnia, em 3 de março. Um exército de apresentadores argumentou que a falta de uma teoria neurocientífica completa que explique como a atividade neural se traduz em experiências conscientes (como “vermelhidão”) significa que uma abordagem fisicalista é inadequada ou errada. “A ideia de que experiências subjetivas resultam da atividade eletroquímica permanece uma hipótese”, escreveu Chopra por e-mail. “É tão especulativa quanto a ideia de que a consciência é fundamental, leva à atividade cerebral e cria propriedades e objetos do mundo material”.

“Onde está a mente da tia Millie quando seu cérebro morre devido a Alzheimer?”, perguntei a Chopra. “A tia Millie era um padrão de comportamento impermanente do Universo e retornou ao potencial de onde surgiu”, respondeu. “Na filosofia das tradições orientais, o ego é uma ilusão e o objetivo da iluminação é transcender a uma identidade mais universal não-local, não-material”.

A hipótese de que o cérebro cria a consciência, porém, tem muito mais evidências a seu favor do que a hipótese de que a consciência cria o cérebro. Danos ao giro fusiforme do lobo temporal, por exemplo, provocam cegueira facial, e a estimulação dessa mesma área faz as pessoas verem rostos espontaneamente. Danos provocados por AVCs à região do córtex visual chamada V1 levam à perda de percepção visual consciente. Mudanças na experiência consciente podem ser medidas diretamente por RM funcional, eletroencefalografia e registros de neurônios isolados. Neurocientistas conseguem prever escolhas humanas a partir da atividade cerebral antes que o próprio sujeito esteja consciente delas. Usando apenas varreduras cerebrais, eles foram até capazes de reconstruir, no computador, o que alguém vê.

Milhares de experimentos confirmam a hipótese de que processos neuroquímicos produzem experiências subjetivas. O fato de neurocientistas não concordarem sobre qual teoria fisicalista descreve melhor a mente não significa que a hipótese de que a consciência cria a matéria tenha o mesmo peso. Em sua defesa, Chopra me enviou um artigo de 2008, publicado na Mind and Matter, do cientista cognitivo da University of California, Irvine, Donald D. Hoffman: Conscious Realism and the Mind-Body Problem (“Realismo Consciente e o Problema Mente-Corpo”, literalmente). O realismo consciente “afirma que o mundo objetivo, i.e., o mundo cuja existência não depende das percepções de um observador em particular, consiste inteiramente de agentes conscientes”. A consciência é fundamental para o Cosmos e produz partículas e campos. “Ela não é tardia na história evolutiva do Universo, surgindo de interações complexas de matéria e campos inconscientes”, escreve Hoffman. “A consciência vem primeiro; a matéria e os campos é que dependem dela para existir”.

Onde estão as evidências mostrando que a consciência é fundamental ao Cosmo? Aqui Hoffman se volta para como observadores humanos “constroem as formas visuais, cores, texturas e movimentos dos objetos”. Nossos sentidos não constroem uma aproximação da realidade física em nosso cérebro, argumenta ele. Em vez disso, funcionam como um sistema de interface gráfica de usuário que tem pouca ou nenhuma semelhança com o que realmente acontece no interior de um computador. Na visão de Hoffman, nossos sentidos trabalham para construir a realidade, não reconstruí-la. Por fim, isso “não requer a hipótese de objetos físicos de existência independente”.

Como a consciência faz a matéria se materializar? Ele não diz. Onde (e como) a consciência existia antes de haver matéria? Não sabemos. Até onde posso ver, toda a evidência aponta na direção de cérebros gerando mentes, mas nenhuma evidência indica causalidade inversa. Toda essa linha de raciocínio parece, na verdade, ser baseada em algo semelhante ao argumento do “Deus das lacunas”, onde lacunas fisicalistas são preenchidas por agentes não-fisicalistas, sejam divindades oniscientes ou agentes conscientes.

Ninguém nega que a consciência é um problema difícil. Mas antes de a elevarmos ao nível de agente independente capaz de criar sua própria realidade, vamos dar mais tempo às hipóteses de que cérebros criam mentes. Porque o que sabemos de fato é que a consciência mensurável morre quando o cérebro morre e, até prova em contrário, a hipótese padrão deve ser a de que cérebros geram consciências. Existo, logo penso.

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